Varicela: violar a lei de Sutton

CASO CLÍNICO

Objectivo

Queremos mostrar neste caso que uma das regras estabelecidas no processo de raciocínio clínico, que é pensar em primeiro lugar no diagnóstico mais provável, pode por vezes ser alterada quando confrontada com situações clínicas inesperadas. Este facto está resumido na conhecida lei de Sutton, que afirma que “ao fazer um diagnóstico, deve-se sempre considerar primeiro o óbvio”, e proceder à aplicação dos testes que confirmam ou rejeitam o diagnóstico previsível.

Resumo clínico

Um homem de 67 anos foi diagnosticado com hepatocarcinoma, com uma lesão de 7 cm de diâmetro, rodeado por três outras lesões menores de 2 a 3 cm. A quimioembolização do tumor foi realizada como um procedimento terapêutico através da artéria hepática esquerda com doxorubicina e partículas.

Dois dias após o procedimento o paciente começou com febre sem sintomas respiratórios ou digestivos. Os dados laboratoriais mostraram um aumento moderado das enzimas hepáticas, um achado comum após este procedimento. As culturas de sangue e urina foram negativas. O paciente foi iniciado com tratamento antibiótico empírico com ciprofloxacina, sem febre nos dias seguintes.

Três semanas mais tarde, o paciente assistiu ao departamento de urgências por febre aguda sem outros sintomas que a acompanhassem. O exame físico foi normal, com apenas crepitações bilaterais basilares moderadas. O juízo clínico foi estabelecido como “Febre num paciente com quimioembolização”, relacionando a situação com o procedimento terapêutico anteriormente realizado, e foram indicados antibióticos. O doente não voltou a apresentar febre no hospital.

Dois dias após a admissão no hospital, foi visto por um médico diferente que detectou um sinal que poderia explicar a presença de febre. Uma tomografia computorizada não mostrou nenhum abcesso ao nível do fígado.

Diagnóstico final

Infecção por Varicela

Comentário

O próprio paciente relatou um contacto próximo com um dos seus netos que sofria de varicela.

É uma situação lógica pensar numa associação entre uma intervenção terapêutica como a embolização e a presença de uma síndrome febril, mas também é verdade que um doente pode ter tantas doenças quantas quiser (o que é o oposto da lei de Sutton).

Autor: Dr. Lorenzo Alonso

FORO  OSLER

 

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