Karma e Doença. Aprender com os pacientes na clínica

Introdução

Vi diante de mim uma mulher de 55 anos, incapaz de mexer as pernas e os braços, absolutamente dependente. Conseguia falar e até comer com a ajuda da família. Eu estava ali, ao lado dela, um médico sénior que lhe fazia perguntas sobre os seus sentimentos e sintomas. A certa altura, ele perguntou-me. “Sabe o que é o karma? Fiquei um pouco surpreendido, lembrava-me da palavra, tinha lido sobre ela muitas vezes, mas naquele momento não consegui responder-lhe. Ela explicou-me: “O karma é um movimento, tudo está ligado, quando damos algo de bom ou amor a uma pessoa, também vamos receber amor em algum momento da nossa vida”.

Resumo do caso

Uma mulher de 55 anos de idade tinha um diagnóstico prévio de sarcoma uterino seis anos antes da situação clínica atual. Foi inicialmente tratada com cirurgia e radioterapia adjuvante, mas a doença disseminou-se para o abdómen e pulmões, iniciando tratamento sequencial com quimioterapia e fármacos alvo, obtendo resposta completa no último seguimento clínico.

Evolução clínica

Recorreu ao Serviço de Urgência (SU) porque, após uma queda, iniciou dificuldade progressiva em movimentar as pernas, atingindo a paralisia total, progredindo para ambos os braços, até uma situação de quadriplegia, num período de dois dias, mantendo a capacidade de falar e deglutir, com um estado mental normal, sem febre ou dores lombares.

O exame físico mostrava uma doente alerta, totalmente orientada, sem compromisso respiratório. Apresentava paralisia flácida dos quatro membros e um nível sensorial médio-dorsal. Não havia resposta extensora plantar. Foi necessário colocar um cateter urinário devido a retenção urinária.

Exercício de raciocínio clínico. Consciência da situação

Imagine que está no serviço de urgência no seu primeiro contacto com esta doente. Lembre-se que ela tinha um diagnóstico prévio de uma doença neoplásica. Com o quadro clínico acima apresentado, qual seria a sua primeira hipótese de diagnóstico?

É evidente que a presença de paraplegia numa doente com um diagnóstico de cancro sugere uma compressão da medula espinal como padrão inicial. De certa forma, este é o diagnóstico do “pior cenário possível”, numa situação clínica como a que acabámos de descrever. No entanto, existem algumas pistas que podem ser úteis para tomar uma decisão mais precisa e que se enquadra melhor noutro modelo clínico.

Dor . Numa compressão medular, a presença de dor nas costas como sintoma inicial e precoce é quase universal. No caso apresentado, a doente nunca referiu dores nas costas nos dias anteriores à situação clínica atual, mas sim fraqueza nos membros inferiores.
Não há sintomas piramidais. Na fase inicial da compressão medular, existe hiperreflexia abaixo do nível de compressão, o que não se verifica no exame físico do nosso doente.

Um clínico responsável pelo doente pensará inicialmente numa compressão medular, mas após um rápido processo de raciocínio, aperceber-se-á da diferente apresentação da tetraplegia deste doente, sem dor a preceder a paraplegia e a situação de uma paralisia flácida, sem um período prévio de hiperreflexia em relação à interrupção da via piramidal. Quando o padrão clínico não se enquadra num sinal ou sintoma importante, é obrigatório alargar o diagnóstico diferencial. O primeiro passo é a localização anatómica do problema, neste caso a medula espinal ou a estrutura vertebral.

Infiltração intramedular pelo tumor e edema da medula espinal.

 

Comentário final

A doente estava incapaz de mover os braços e as pernas, mas manteve sempre a mente sob controlo. Não foi efectuada qualquer punção lombar. Não foi observada qualquer resposta clínica ao tratamento com corticosteróides. O diagnóstico clínico final foi uma infiltração medular do tumor de T2 a T7, com edema ao longo do resto da medula espinal.

É importante para um médico fazer sempre o exercício mental do diagnóstico diferencial, talvez num determinado caso a atitude clínica ou o tratamento não se altere muito, mas, no final, ficará mais perito no próximo caso clínico ou doente, e, sem dúvida, esta é a forma de adquirir experiência em Medicina ou Enfermagem.

Pode encontrar um bom artigo de revisão sobre metástases espinais e vertebrais AQUI

Autor: Dr. Lorenzo Alonso Carrión

FORO  OSLER

 

 

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